terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Por que Alexandre de Moraes não é exonerado?


Como explicar a permanência do ministro que foi desmentido duas vezes pela governadora de Roraima (depois de negar ajuda federal ao estado prestes a conviver com uma carnificina nas prisões, como ocorrera de fato); de mostrar total desconhecimento sobre o caos na penitenciária de Manaus [1]; que é o responsável pela militarização da política de drogas; que se usa da Lava Jato como degrau político [2] e que pretende desviar recursos do Fundo Penitenciário para atividades policiais? [3]

Alexandre de Moraes faz em Brasília o que fazia com desenvoltura em São Paulo, quando secretário estadual de segurança pública. Naquele estado, a política de segurança pública é tida como exitosa pela exponencial redução dos homicídios.

Porém, o custo da redução é questionável. Pairam graves suspeitadas, levantadas por qualificados pesquisadores e operadores de segurança pública, sobre o papel do PCC – que nasceu nas prisões paulistas -, na regulação das disputas geradoras de homicídios.

Segundo minha colega do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a professora Camila Nunes, da UFABC, uma das maiores estudiosas do PCC, além de ocupar um lugar de destaque na economia criminal, sobretudo no tráfico de drogas, o PCC se constitui como uma instância de mediação e regulação de conflitos – principalmente, mas não só, daqueles relativos às atividades ilícitas. Regulando disputas, dirimindo contendas, mediando acordos, julgando e estabelecendo punições, o PCC acaba por exercer o controle sobre práticas individuais e coletivas e é neste sentido que a posição hegemônica que ocupa no cenário criminal paulista pode estar relacionada com a acachapante queda das taxas de homicídios a partir do início da década de 2000. Contudo, a manutenção da hegemonia do PCC é dependente de um equilíbrio precário que envolve relações tensas e ambíguas com o poder público, sobretudo com as forças policiais e a administração prisional. A “pacificação” (drástica redução dos homicídios) das prisões e da periferia paulista tem forte conexão com este equilíbrio precário e dele é dependente. 

É importante dizer, também, que São Paulo, governado há duas décadas pelo tucanato, é um dos estados com as maiores taxas de letalidade policial. Segundo Philip Alston, que foi relator especial da ONU para execuções sumárias, as polícias de São Paulo utilizam a força letal e não a inteligência para controlar o crime; mais do que isso, esta força letal é utilizada para a proteção do patrimônio e não da vida. [4] Isso sem considerar uma polícia que, geralmente, é truculenta em relação a manifestações de movimentos sociais e dócil quando se trata de manifestações de grupos de direita.

Ou seja, há hipóteses razoáveis a atribuírem que a redução dos homicídios em São Paulo é fruto de pelo menos três custos altíssimos: a criação e consolidação do PCC, depois da política de encarceramento em massa; o controle das prisões por essa facção criminosa e o aumento da violência policial.

Na condição de secretário de segurança de São Paulo, Moraes pontificava sem ser incomodado. Nunca admitia críticas, principalmente se os questionamentos originavam de pesquisadores e estudiosos, qualificados pelos brucutus da segurança pública como inexperientes e palpiteiros.

Recentemente, já como ministro da justiça, Moraes protagonizou uma dessas cenas de ataques descabidos a quem ousou criticar sua “política de drogas”. A convite do Ministério da Justiça, um grupo de especialistas da área da segurança pública participou de uma audiência com o ministro para analisar a proposta do Plano Nacional de Segurança pública, em meados de dezembro de 2016. Uma das participantes, minha colega Julita Lemgruber - referência nacional e internacional na área da segurança pública; a primeira mulher a dirigir o sistema prisional do País, no Estado do Rio de Janeiro; ex-ouvidora de polícia do mesmo Estado, com inestimável produção acadêmica e trajetória admirável -, criticou a proposta do plano nacional de segurança, principalmente em relação à guerra às drogas. Na ocasião escreveu: estive na última segunda, dia 12 (de dezembro), com outros especialistas em segurança pública (éramos cinco pessoas) em reunião para ouvir o Ministro da Justiça apresentar seu Plano Nacional de Segurança Pública. Já me sentei, ao longo dos meus mais de 30 anos trabalhando nessa área, com vários ministros e ouvi vários planos. Este, definitivamente, é o pior de todos. Ao invés da promessa de focar na redução de homicídios, o que já seria uma tarefa hercúlea, o plano quer até erradicar as plantações de maconha no Paraguai. Seria cômico se não fosse trágico. E, pior, o Ministro está querendo desviar o Fundo Penitenciário para aumentar sete vezes o contingente da Força Nacional, mesmo levando em conta que seu plano vai contribuir para agravar a superlotação do sistema penitenciário. Muito grave!

Em redes sociais oficiais e no site do Ministério da Justiça, Moraes desqualificou a estudiosa de forma violenta. Várias entidades, entre elas o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto Sou da Paz, o Instituto Igarapé e o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania do Rio de Janeiro (Cesec), publicaram nota pública repudiando as declarações do ministro contra uma pesquisadora que “é uma referência ética que honra e orienta aqueles que buscam um Brasil mais seguro e pacífico”.

Aliás, sobre o Plano Nacional de Segurança Pública, lançado às pressas nessa sexta (06/01), mapeei jornais neste fim de semana e percebi uma quase unanimidade nas críticas ácidas por parte de especialistas, estudiosos, operadores, promotores e até magistrados [5]. Somente alguns lambe-botas dessa imprensa venal fizeram elogios, mesmo assim, envergonhados. Será que todos - que estudamos e trabalhamos na área (no meu caso, inclusive já tendo presidido entidade [não empresa, diga-se de passagem] gestora de unidade prisional) - estamos errados e o ministro é o único certo? Em tempos de pensamento único é possível que ele, Temer e seus serviçais pensem assim. Curiosamente, Temer também foi secretário de Segurança Pública em São Paulo. Há 30 anos, policiais paulistas pediam sua demissão do cargo, chamando-o de "secretário sinistro". Não é à toa que muitos chamam Moraes de "sinistro da justiça".

Aliás, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária antecipará reunião para aprovar uma moção de repúdio ao referido Plano. [6]

Portanto, o que explicaria a intocabilidade de Moraes à frente do Ministério da Justiça? Para mim a resposta é óbvia: Moraes pertence ao grão-tucanato, os verdadeiros governantes dessa república das bananeiras, sob os quais Temer ocupa o posto de mamulengo. Ademais, Moraes é a encarnação de um segmento poderoso da política tucana de segurança pública, cuja experiência real se concretiza em São Paulo.



[1] Ignorando um relatório feito pelo próprio poder público sobre uma possível rebelião motivada pelo confronto entre as facções, dado que em dezembro de 2015, representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – órgão então vinculado ao extinto Ministério dos Direitos Humanos e que agora está sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça – estiveram no Compaj e em outras três penitenciárias amazonenses e num documento de 45 páginas informaram aos seus superiores e ao Ministério Público Federal que havia um forte contexto de disputas e tensionamentos entre os grupos no sistema penitenciário estadual e concluíram que “a ação da administração penitenciária é limitada e omissa diante da ação das facções criminosas”.
[2]  Na noite de domingo 25 de setembro de 2016, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, usou informações sigilosas a respeito do andamento das investigações para fazer campanha para seu partido, o PSDB, no interior de São Paulo.
[3] Michel Temer baixou no dia 20 de dezembro uma medida provisória que transfere parte de recursos destinados ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), verba prevista para construir e reformar unidades prisionais, para a Segurança Pública. De forma abrangente, o texto informa que será possível usar recursos para políticas de “redução da criminalidade e da população carcerária”, além de “atividades preventivas, até de inteligência policial”. A medida ainda alterou a distribuição do dinheiro arrecadado em loterias, principal fonte do Funpen. Antes, 3% da verba ia para o fundo, cujo saldo era de R$ 3,3 bilhões em outubro, segundo levantamento da ONG Contas Abertas. Agora, o repasse será de 2,1%, enquanto 0,9% vai para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).
[4]  Sobre esse tema ver relatório de Philip Alston, Relator Especial da ONU para Execuções Sumárias, quando da sua visita ao Brasil em 2007 (Relatório ONU – A/HCR/11/2/Add.2, 29/08/2008).  

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